Francisco Ferreira (Quercus) em Nairobi
Nem só de negociações vive uma conferência… E assim, enquanto se aguarda pela chegada dos Ministros para a denominado segmento de alto-nível que começa quarta- feira (ou Secretários de Estado, no caso de Portugal por exemplo), para além de Kofi Annan e de Sir Nicholas Stern e se discute se revê ou não o Protocolo de Quioto já ou mais tarde, se se coloca mais dinheiro ou não para a adaptação dos países mais necessitados, talvez valha a pena explicar um pouco a mecânica e alguns aspectos pessoais de uma conferência desta natureza e também as oportunidades paralelas que surgem a quem a segue.
Em primeiro lugar devo referir que este meu escrito será colocado em diferido, já que no Hotel em que estou não há Internet no quarto. Quando da escolha do Hotel, essa foi uma característica que lá vinha na webpage do dito, mas na prática é só em alguns quartos. Assim, escreve-se à noite e publica-se no dia seguinte (aliás, e passe a imodéstia do anúncio, dia de aniversário vivido longe da pátria….). Já agora convém dizer que o Hotel está na linha de uma poupada organização não governamental como a Quercus – era aquele que era anunciado como tendo 3 estrelas e tinha um preço mais em conta (a outra opção era o Hotel Intercontinental de 5 estrelas onde estão alguns colegas de associações mais abastadas). O quarto é razoável e até tipo suite, com uma pequena sala anexa. As lâmpadas são todas fluroscentes compactas de alta eficiência, as tomadas têm todas um interruptor on/off. A televisão tem dois canais cuja imagem não se consegue discernir minimamente, mas mais tempo deixa para ouvir música do computador. A limpeza é impecável e a comida surpreende porque em vez de ser africana (a que eles chamam continental e não passa do bife com batatas fritas), o verdadeiro orgulho do hotel é a comida chinesa e indiana (com esta última a receber os meus melhores elogios).
Talvez o verdadeiro inconveniente seja a localização do meu quarto para uma rotunda onde a aproximação de qualquer dos milhares de carrinhas Toyota Hiace que aqui constituem o transporte público e que podem levar 14 ou mais passageiros, seja precedida de um buzinar individualizado independente da hora do dia, que presumo seja para captar passageiros ou para intimidar os vizinhos na estrada. Se acrescentarmos a isto que o quarto fica imediatamente por cima de uma discoteca improvisada que funcionou toda a noite de sexta e sábado e que os vidros do quarto não são duplos, percebe-se que o verdadeiro desafio seria implementar aqui o Regime Legal de Poluição Sonora que temos em Portugal (no papel). Por último, e dado o contexto descrito, até é com prazer que oiço os chamamentos na mesquita a poucas centenas de metros do Hotel a diversas (por vezes madrugadoras) horas do dia. Falta ainda referir o ruído de alguns mosquitos, que apesar da prevenção da malária e de me ter vacinado contra a febre amarela, o que verdadeiramente me perturbaram foi o sono e me obrigou, já em desespero total, a ligar um pequeno aparelho dissuasor que em boa altura a minha irmã me disponibilizou para trazer.
Já agora, e como hoje (ou melhor, ontem), vim num táxi Hiace com oito colegas que foram distribuídos por outros hotéis antes de chegar ao meu (fui o último mas felizmente era eu e um colega de uma associação sueca), tive oportunidade de verificar que o Hotel onde estou é muito mais “seguro” - todos os outros tinham vários guardas, duas cancelas à entrada e duas à saída, câmaras de vigilância, até uns guardas com um espelho fizeram que revistaram a parte debaixo da carrinha. No fantástico Hotel Meridian Court em Nairobi onde estou, junto ao majestoso edifício da Universal Church (falta só o Reino de Deus, mas a pomba é igual), a chegada é rápida e eficiente – só recomendam que não se saia depois das 18h…. mesmo acompanhado.
E vamos ao dia de ontem:
1. Saída do hotel de táxi (convém ir acompanhado porque custa uns 8/9 euros) para o quartel-general mundial do Programa de Ambiente das Nações Unidas (UNEP). Passando a segurança (com aparelhos de raios X e confirmação da identificação), há a enorme vantagem de a conferência se espalhar por edifícios que nos obrigam a andar vários quilómetros ao fim do dia – não sei se não estarei mais magro….).
2. No edifício dedicado à agricultura, há a reunião diária com talvez duzentos representantes de ONGs que fazem parte da Rede Internacional de Acção Climática (CAN), onde é feito o briefing e a discussão dos temas em agenda e de quem vai acompanhar cada um dos dossiers. Votam-se o “fóssil do dia”, define-se o conteúdo do boletim diário das ONGs que é distribuído a todos os participantes na conferência (o “Eco”), identificam-se os temas para a conferência de imprensa do dia seguinte.
3. A seguir é imperativo regressar ao edifício principal e ir à zona onde há Internet (wireless, com cabo, ou até usando os (poucos) computadores disponíveis). Graças ao portátil, sossegadamente na biblioteca da UNEP tratei de ver como estava Portugal e de processar um conjunto de mensagens de listas internas da própria CAN com as últimas novidades.
4. Não é todos os dias que se contacta com um Prémio Nobel da Paz, ainda por cima se ele foi atribuído a uma importante activista na área do ambiente. Assim, subi até ao piso de cima e comprei o livro”Unbowed” que Wangari Maathai teve a gentileza de autografar.
5. Com o programa do dia nas mãos, visitei os múltiplos stands de uma zona de exposição próxima e ainda tive tempo para uma pequena troca de palavras com o chefe (até chegar o Secretário de Estado) da delegação oficial portuguesa. Já agora dizer que Portugal, à proporção do país e das exigências orçamentais tem cinco elementos na delegação e terá mais dois de quarta a sexta, quando o Secretário de Estado Humberto Rosa e um adjunto por cá também andarem. Já a actual presidência da União Europeia tem desde já 60 elementos. É assim que chegamos aos milhares de participantes numa conferência desta natureza.
6. O almoço atrasou-se e às duas da tarde há uma reunião com as ONGs europeias, que à falta de sala se encontram nas tendas dos restaurantes, fazendo alguma má figura porque ocupam mesas e só um ou dois pedem um pratito de comida. Faz-se o ponto de situação do que tem vindo a ser discutido e decidido e distribui-se o trabalho de lobby que cada um deve fazer junto dos representantes do seu país.
7. Seguiu-se um almoço breve e a tarde foi passada a ler documentos e a preparar alguns comunicados para os próximos dias. A 33 Km a Sul do Equador mas a 1870 metros de altitude em Nairobi o sol nasce e põe-se cerca das 6.30 (da manhã e da tarde, respectivamente!).
8. Uma troca de SMSs com os portugueses, e às 19 horas o longo regresso de táxi e um jantar com o colega sueco, comentando o facto de ser possível discutir tantas frases, tantas ideias e avançar e decidir tão pouco. Mas as negociações a bem da humanidade são assim… longas e complexas…. até haver uns sinais dramáticos que tornam a urgência mais a urgente…
Francisco Ferreira (Quercus) em Nairobi
Artigo de opinião publicado hoje no jornal "Público"
As notícias e os estudos fundamentados sobre as alterações climáticas estão cada vez mais na ordem do dia. Os impactes em diversos locais do planeta são um sinal de alerta do que poderá vir a ser um clima definitivamente diferente. O relatório coordenado por Sir Nicholas Stern divulgado há cerca de duas semanas é uma das mais recentes e completas análises do problema. Se a temperatura subir mais de 2º centígrados em relação à temperatura da era pré-industrial, sabe-se que a mudança climática terá impactes que passarão de significativos a catastróficos; o ano em que se prevê atingir tal aumento, se não houver uma inversão da tendência actual, é já 2025. As consequências ao nível da humanidade são demasiado significativas, com perdas significativas de vidas humanas e da biodiversidade. O número de refugiados nas próximas décadas pode atingir os 200 milhões com alguns países a verem metade (Bangladesh) ou até a totalidade (Tuvalu, no Pacífico) do seu território inundado. Os custos de nada fazer serão cinco a vinte vezes superiores aos de reduzir as emissões de gases de efeitos de estufa.
Portugal não é excepção com sintomas bem visíveis: uma seca no ano passado que foi das mais severas, e diversas ondas de calor que nos atingiram nos últimos anos, com temperaturas anormalmente elevadas nas últimas semanas (na atmosfera e no oceano), e chuvas excessivas que surpreenderam várias zonas do país.
Infelizmente, o sentimento de urgência que percorre muitos dos delegados nas conferências sobre o clima e certamente grande parte da população mundial, não se traduz no esforço político de muitos países.
Há um ano atrás, em Montreal, foi acordado que não haveria lugar a qualquer intervalo nos compromissos de Quioto. Isto significa, que após 2012 é necessário haver novas metas e novos compromissos que devem ser assumidos quanto antes.
Os países em desenvolvimento são dos mais vulneráveis à alteração climática e dos que mais perdem na ausência de um rápido acordo. Muitos projectos de redução de emissões promovidos pelos países desenvolvidos em países em desenvolvimento ao abrigo do mecanismo de desenvolvimento limpo precisam de ver o seu futuro assegurado pós-2012. Ao bloquearem ou atrasarem qualquer revisão dos termos do Protocolo de Quioto (o denominado artigo 9º) antes que haja um novo compromisso de metas definido para os países desenvolvidos pós-2012 com medo das exigências que também lhes possam advir, estão a tornar a sua própria sobrevivência mais complicada. Por outro lado, definir o nível de ambição para os que já ratificaram o Protocolo (o denominado artigo 3.9), é uma tarefa politicamente complicada onde a sombra dos Estados Unidos continua infelizmente sempre presente. As recentes eleições nos EUA asseguram que haverá uma mudança ao nível federal compatível com aquilo que já está a acontecer em Estados como a Califórnia, onde já existem metas de redução a serem assumidas, facto que aliás contribuiu para a reeleição do conhecido Governador Arnold Schwartzenegger. Mas daí até o país entrar no Protocolo vão vários anos – é preciso um novo Presidente, um ano para esse novo Presidente preparar o dossier, e o passar da legislação no Congresso e no Senado – nada antes de 2010. Por isso, a abertura formal que deve ser dada aos Estados Unidos para virem a fazer parte do clube do combate à mudança climática, não pode nem deve impedir o imperativo avanço da fixação de metas mais reduzidas para os outros países desenvolvidos.
No entretanto, a União Europeia, que tem desde sempre liderado a luta climática, tem uma Comissão enfraquecida e o peso do ambiente nas decisões anda pelas ruas da amargura. Uma posição de vanguarda dos Estados-Membros em termos negociais à escala mundial continua ainda a ser aguardada, à medida que o pessimismo cresce.
Em Portugal a visão também não é muito diferente, e a urgência de curto prazo da economia e das finanças mostra um país de contradições onde por um lado se anunciam parques eólicos e solares e edifícios energeticamente mais eficientes e ao mesmo tempo se engana os contribuintes não dando na prática benefícios fiscais à instalação de colectores solares nas casas dos portugueses e se promove a construção de quatro grandes centrais térmicas, potenciando uma oferta exagerada de electricidade.
O objectivo deveria ser sair da reunião de Nairobi com um plano de trabalhos muito claro para que no próximo ano, à partida em Bali, na Indonésia, as negociações para uma limitação maior das emissões dos países desenvolvidos, bem como de compromissos para os países em desenvolvimento (não necessariamente no início de redução de emissões, mas por exemplo no impedir da desflorestação), pudessem ser formalmente iniciadas para que em 2008 fosse aprovada a continuação do Protocolo de Quioto após 2012. Não são apenas as organizações não governamentais que o clamam, mas também muitos e reputados políticos, dirigentes, economistas, e certamente a maioria da população do planeta que está nas mãos de umas dezenas de negociadores e dos seus ministros cujo empenho é por vezes discutível
Os sinais até agora são pouco encorajadores e cada ano que passa começa a ser demasiado tarde.