Francisco Ferreira (Quercus) em Nairobi
Artigo de opinião publicado hoje no jornal "Público"
As notícias e os estudos fundamentados sobre as alterações climáticas estão cada vez mais na ordem do dia. Os impactes em diversos locais do planeta são um sinal de alerta do que poderá vir a ser um clima definitivamente diferente. O relatório coordenado por Sir Nicholas Stern divulgado há cerca de duas semanas é uma das mais recentes e completas análises do problema. Se a temperatura subir mais de 2º centígrados em relação à temperatura da era pré-industrial, sabe-se que a mudança climática terá impactes que passarão de significativos a catastróficos; o ano em que se prevê atingir tal aumento, se não houver uma inversão da tendência actual, é já 2025. As consequências ao nível da humanidade são demasiado significativas, com perdas significativas de vidas humanas e da biodiversidade. O número de refugiados nas próximas décadas pode atingir os 200 milhões com alguns países a verem metade (Bangladesh) ou até a totalidade (Tuvalu, no Pacífico) do seu território inundado. Os custos de nada fazer serão cinco a vinte vezes superiores aos de reduzir as emissões de gases de efeitos de estufa.
Portugal não é excepção com sintomas bem visíveis: uma seca no ano passado que foi das mais severas, e diversas ondas de calor que nos atingiram nos últimos anos, com temperaturas anormalmente elevadas nas últimas semanas (na atmosfera e no oceano), e chuvas excessivas que surpreenderam várias zonas do país.
Infelizmente, o sentimento de urgência que percorre muitos dos delegados nas conferências sobre o clima e certamente grande parte da população mundial, não se traduz no esforço político de muitos países.
Há um ano atrás, em Montreal, foi acordado que não haveria lugar a qualquer intervalo nos compromissos de Quioto. Isto significa, que após 2012 é necessário haver novas metas e novos compromissos que devem ser assumidos quanto antes.
Os países em desenvolvimento são dos mais vulneráveis à alteração climática e dos que mais perdem na ausência de um rápido acordo. Muitos projectos de redução de emissões promovidos pelos países desenvolvidos em países em desenvolvimento ao abrigo do mecanismo de desenvolvimento limpo precisam de ver o seu futuro assegurado pós-2012. Ao bloquearem ou atrasarem qualquer revisão dos termos do Protocolo de Quioto (o denominado artigo 9º) antes que haja um novo compromisso de metas definido para os países desenvolvidos pós-2012 com medo das exigências que também lhes possam advir, estão a tornar a sua própria sobrevivência mais complicada. Por outro lado, definir o nível de ambição para os que já ratificaram o Protocolo (o denominado artigo 3.9), é uma tarefa politicamente complicada onde a sombra dos Estados Unidos continua infelizmente sempre presente. As recentes eleições nos EUA asseguram que haverá uma mudança ao nível federal compatível com aquilo que já está a acontecer em Estados como a Califórnia, onde já existem metas de redução a serem assumidas, facto que aliás contribuiu para a reeleição do conhecido Governador Arnold Schwartzenegger. Mas daí até o país entrar no Protocolo vão vários anos – é preciso um novo Presidente, um ano para esse novo Presidente preparar o dossier, e o passar da legislação no Congresso e no Senado – nada antes de 2010. Por isso, a abertura formal que deve ser dada aos Estados Unidos para virem a fazer parte do clube do combate à mudança climática, não pode nem deve impedir o imperativo avanço da fixação de metas mais reduzidas para os outros países desenvolvidos.
No entretanto, a União Europeia, que tem desde sempre liderado a luta climática, tem uma Comissão enfraquecida e o peso do ambiente nas decisões anda pelas ruas da amargura. Uma posição de vanguarda dos Estados-Membros em termos negociais à escala mundial continua ainda a ser aguardada, à medida que o pessimismo cresce.
Em Portugal a visão também não é muito diferente, e a urgência de curto prazo da economia e das finanças mostra um país de contradições onde por um lado se anunciam parques eólicos e solares e edifícios energeticamente mais eficientes e ao mesmo tempo se engana os contribuintes não dando na prática benefícios fiscais à instalação de colectores solares nas casas dos portugueses e se promove a construção de quatro grandes centrais térmicas, potenciando uma oferta exagerada de electricidade.
O objectivo deveria ser sair da reunião de Nairobi com um plano de trabalhos muito claro para que no próximo ano, à partida em Bali, na Indonésia, as negociações para uma limitação maior das emissões dos países desenvolvidos, bem como de compromissos para os países em desenvolvimento (não necessariamente no início de redução de emissões, mas por exemplo no impedir da desflorestação), pudessem ser formalmente iniciadas para que em 2008 fosse aprovada a continuação do Protocolo de Quioto após 2012. Não são apenas as organizações não governamentais que o clamam, mas também muitos e reputados políticos, dirigentes, economistas, e certamente a maioria da população do planeta que está nas mãos de umas dezenas de negociadores e dos seus ministros cujo empenho é por vezes discutível
Os sinais até agora são pouco encorajadores e cada ano que passa começa a ser demasiado tarde.