Francisco Ferreira (Quercus) em Nairobi
Começaram hoje os três dias decisivos do ponto de vista mediático e político desta Conferência sobre o clima. A presença do Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan na abertura do denominado segmento de alto nível, bem como de Sir Nicholas Stern no denominado “diálogo” em plenário que envolve todos os países da Convenção e cujo relatório sobre as consequências económicas das alterações climáticas tem por aqui sido exaustivamente mencionado, originou uma manhã muito movimentada.
Para um Secretário Geral originário do continente, mais propriamente do Gana, e em fim de mandato, África teria de estar presente no discurso e nas acções. E assim foi: lembrou os impactes das cheias de Moçambique, da seca do Shael e também, desde que começou a conferência, as dezenas de milhares de desalojados no Quénia por causa das chuvas excessivas a que aliás tenho assistido; falou da vulnerabilidade dos países mais pobres à alteração climática, entre eles os países africanos; por último, ressaltou o facto de que é preciso capacitar os países em desenvolvimento, em particular os africanos, para fazer uso do mecanismo de desenvolvimento limpo ao abrigo do Protocolo de Quioto, com implementação de projectos pagos pelos países desenvolvidos e para isso anunciou a “Iniciativa de Nairobi”, num esforço conjunto de seis agências das Nações Unidas.
Na minha leitura do discurso, para além de África, outros pontos me pareceram importantes: afirmou que as alterações climáticas são tão importantes como os conflitos, a pobreza ou a proliferação de armas; que só quem está “fora do passo, sem argumentos ou fora do tempo” é que pode ser céptico; que o Protocolo de Quioto é pouco e que alguns países, mencionando a China explicitamente, vão ter que fazer mais; que o clima é responsabilidade dos países, das empresas e das pessoas e que tem de passar a ser um assunto forte nas campanhas eleitorais; e por último, que é preciso maior coragem política!
E agora vamos ao ponto de situação das negociações. O que já está decidido e o que anda a ser decidido:
Fundo de Adaptação
Trata-se de um fundo para ajudar os países em desenvolvimento a lidarem com as consequências da alteração climática; os fundos vão vir via uma percentagem dos projectos de mecanismo de desenvolvimento limpo (projectos pagos pelos países desenvolvidos para reduzir emissões nos países em desenvolvimento) e via donativos; as negociações estão fechadas o que é um passo relevante mas não terminal – falta ainda decidir como este fundo vai ser monitorizado e quais os critérios de elegibilidade, o que deverá ter lugar daqui a um ano.
Diálogo
Começou hoje e corresponde a um conjunto de intervenções que depois recebem comentários dos diferentes países presentes em plenário; foi aqui no “diálogo” que a figura de proa de hoje foi Nicholas Stern e a sua avaliação económica dos impactes das alterações climáticas; participam todos os países (EUA, nomeadamente), e supostamente a ideia é trocar opiniões sobre a cooperação de longo prazo. Para muitos é uma perda de tempo mas que vai deixando sempre uma porta aberta na discussão do futuro dos países mais renitentes.
Artigo 3.9
Corresponde à definição dos compromissos dos países desenvolvidos; conclusões terminadas ontem à noite, com um bom programa de trabalhos para 2007 e com o único senão (porque exige um acordo mais global) de não ter uma data para se terminar o processo.
Artigo 9
Corresponde à revisão do Protocolo, onde se poderá decidir os compromissos ou acções dos países em desenvolvimento no futuro e por isso muito controverso; é o verdadeiro drama negocial mas que talvez tenha uma luz ao fundo do túnel na medida em que deve vir a assumir uma revisão do protocolo agora em 2006 nesta COP – respeitando o que está escrito no Protocolo – e fazer uma segunda revisão devidamente preparada até 2008, aproveitando aliás o facto de em 2007 sair o 4º relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, o que porá mais força nas negociações próximas.
Desflorestação e transferência de tecnologia
Poucas novidades o que significa poucos avanços nestes dois dossiers importantes.
Rússia
Os delegados e o próprio Presidente da Conferência ainda não percebeu o que os russos pretendem – sabe-se que têm uma proposta de “compromissos voluntários” mas não se sabe o que é e porquê; todos falam da “bomba” russa…. (isto porque é tradição russa, quando já tudo está pronto e de malas aviadas para voltar para casa, bloquear as negociações, e assim haver mais uns bónus para os soviéticos)
Para quando o pós-2012?
O que se sabe nos corredores mas que nenhuma fonte obviamente confirma, é que se está a tentar assegurar, aliás na linha do que as organizações não governamentais gostariam, que na próxima COP/MOP3 daqui a um ano, haveria um mandato negocial, obrigando os países até 2009 a chegar a um acordo, definindo novas metas e novas regras do Protocolo. Assim, 2009 começa a desenhar-se como o ano chave do segundo período de compromissos de Quioto, entre 2013 e 2020, e já se fala que depois de Bali no próximo ano, segue-se a Polónia em 2008 para a COP/MOP4 e a Dinamarca ou o Brasil em 2009 (esta sim marcante e muito apetecida). 2009 é mesmo o limite para que não haja quebras, porque é preciso depois ratificar a continuação de Quioto pós-2012, e Quioto em si demorou “apenas” sete anos para entrar em vigor…
Assim, nada de excessivos optimismos… mesmo o que se pensa que há pode ainda voltar atrás.
Falta-me dizer que hoje a Quercus e a Rede Europeia de Acção Climática tiveram uma reunião formal com o Secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, onde se discutiram as negociações em curso, a posição da Europa e o papel decisivo de Portugal como Presidência Europeia dentro de um ano na próxima conferência em Bali, Indonésia. As organizações não governamentais, incluindo a Quercus, tiveram também uma reunião com os Ministros / Secretários de Estado da União Europeia e a Comissão (representada aliás pelo Comissário Europeu) no sentido de perceber, acompanhar e influenciar a dinâmica das negociações. Por último, Portugal discursará em Plenário amanhã à tarde, facto que conto dar nota na devida altura.