Decisões garantem caminho para decisão de continuar Quioto pós-2012 em 2009, mas falham na urgência que o problema merece (comunicado Quercus)
A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza esteve presente na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 6 a 17 de Novembro que teve lugar em Nairobi no Quénia.
Foram quase duas semanas de negociações seguidas e participadas activamente pela associação nesta conferência anual que é absolutamente decisiva no que respeita aos objectivos internacionais de concertação de políticas e de acções relacionadas com a redução das emissões de gases de efeito de estufa e com a necessidade dos países lidarem com uma nova realidade climática com impactes significativos a diversos níveis.
Os principais temas da conferência foram a continuação do Protocolo de Quioto para além de 2012 e os respectivos moldes (limites mais restritos de emissão para os países desenvolvidos e envolvimento dos países em desenvolvimento), o apoio aos países em desenvolvimento para lidarem com a alteração climática e ainda o alerta para a situação africana, quer no que respeita aos impactes do aquecimento global neste continente, quer em relação à necessidade de promover o recurso ao mecanismo de desenvolvimento limpo.
As principais conclusões no entender da Quercus são as seguintes:
- as decisões tomadas foram muito importantes para assegurar um mandato para negociações do período pós-2012 que deverá ter lugar no próximo ano;
- as decisões tomadas nesta reunião abrem caminho para que a continuação em vigor do Protocolo de Quioto depois de 2012 venham a ter lugar nos próximos anos e terminem em 2009, data esta entendida claramente como limite para que não haja quebra na continuação do funcionamento do Protocolo, dada a necessidade de ratificação que terá de ocorrer entre 2009 e 2012;
- infelizmente, o ritmo das decisões foi demasiado lento e continua a não corresponder à urgência do problema para a humanidade, depois de todas as consequências que nesta conferência inventariadas até à exaustão, nomeadamente pelo relatório Stern e principalmente para África;
- a Presidência Portuguesa da União Europeia vai ter um papel absolutamente vital na condução de uma parte importantíssima das negociações na próxima reunião em 2007, em Bali, na Indonésia;
- a Quercus incita o Governo Português a dar a maior prioridade estrutural ao tema das alterações climáticas, onde diversas opções em termos de comércio de emissões e de aplicação de políticas e medidas, continuam, em nosso entender a falhar.
Os aspectos mais positivos
A abertura dos países em desenvolvimento
Vários países em desenvolvimento começam a estar abertos, mesmo que de forma discreta, a assumir que mais tarde ou mais cedo será também responsabilidade deles limitarem as emissões de gases de efeito de estufa, para além de esforços paralelos como a redução da desflorestação em diversos países. Não deixa de ser verdade que o esforço que o Brasil ou a China têm feito em termos de eficiência energética e renováveis ultrapassam em muito os esforços que os países desenvolvidos que não ratificaram Quioto têm efectuado (EUA e Austrália). A proposta efectuada pela Rússia sobre compromissos voluntários por parte dos países partes de Quioto merecerá uma reflexão maior num Workshop a ter lugar em Maio de 2007, sendo porém incerto o objectivo desta proposta.
O fundo de adaptação
Trata-se de um fundo para ajudar os países em desenvolvimento a lidarem com as consequências da alteração climática; os fundos vão vir via uma percentagem dos projectos de mecanismo de desenvolvimento limpo (projectos pagos pelos países desenvolvidos para reduzir emissões nos países em desenvolvimento) e via donativos; falta ainda decidir como este fundo vai ser monitorizado e quais os critérios de elegibilidade, o que deverá ter lugar daqui a um ano, mas o trabalho que falta é já pequeno.
O discurso de Kofi Annan
Kofi Annan. Secretário Geral da ONU originário de África, anunciou a “Iniciativa de Nairobi”, um esforço conjunto de seis agências das Nações Unidas para promover a implementação de projectos pagos pelos países desenvolvidos. Considerou que as alterações climáticas são tão importantes como os conflitos, a pobreza ou a proliferação de armas; que o Protocolo de Quioto é pouco é preciso fazer mais; que o clima é responsabilidade dos países, das empresas e das pessoas e que é preciso maior coragem política!
Os aspectos mais negativos
As posições dos Estados Unidos, Arábia Saudita, Austrália e Canadá
Os Estados Unidos da América continuam com uma posição renitente em relação ao Protocolo de Quioto apesar das iniciativas que se multiplicam em diversos Estados, municípios e também já ao nível do Senado, onde uma maioria de representantes resultante da última eleição pode vir a exigir limitações nas emissões de gases de efeito de estufa. Mas, sem um novo Presidente e com tempo para este preparar o caminho, os Estados Unidos não farão parte do clube de Quioto a não ser de forma muito optimista em 2010. A Arábia Saudita assumiu o seu habitual papel de dificultar as negociações como país dominado pelos interesses associados ao petróleo. A Austrália, como os EUA, continuam fora de Quioto e não mostraram nenhum plano, que haviam prometido, para reduzir as emissões. O Canadá, onde o novo governo minoritário conservador procura a todo o custo justificar o seu desacordo com Quioto, recorreu a informação errada, mostrou ausência de qualquer ambição e quase usou o fórum internacional para um discurso político interno. No Canadá as alterações climáticas são segunda mais importante de acordo com as sondagens.
Transferência de tecnologia e desflorestação
Duas matérias cruciais que acabaram por não ver avanços significativos, quer em termos de capacitação dos países mais pobres sem criar dependências excessivas, quer no que respeita a assegurar que a desflorestação deve ser claramente evitada porque, para além da biodiversidade, é desempenha um papel relevante como sumidouro de carbono.
Possíveis ameaças ao mecanismo de desenvolvimento limpo
Duas propostas prometem ser polémicas e receberam a oposição das associações ambientalistas: uma da União Europeia que pretende incluir a captura e armazenamento de carbono (CCS) no mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) (a discordância prende-se com o facto de esta tecnologia não estar provada, não promover directamente um desenvolvimento sustentável – porque é de fim de linha e redireccionar investimentos de outros projectos mais importantes), e outra que pretende que se autorize no quadro do MDL plantações massivas de árvores à custa de floresta natural secundária – não primitiva, mas sem dúvida bastante relevante do ponto natural. O assunto vai ser discutido nos próximos um (reflorestação) ou dois (CCS) anos.
Ar quente da Bielo-Rússia
A Bielo-Rússia, que não é considerada um país desenvolvido, quer entrar aderir como parte do Quioto com o objectivo de vender as emissões de que dispõe entre 1990 e o período de cumprimento. Trata-se do chamado “hot-air” ou seja, o ”ar quente” que à custa da quebra no desenvolvimento económico não foi emitido mas que se quer agora contabilizar e fazer negócio. A quantidade em jogo não é muito significativa, é aliás um país em desenvolvimento a entrar como parte, mas é um precedente que se deveria ter evitado.
A Direcção Nacional da
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
Lisboa, 17 de Novembro de 2006